Páginas

domingo, 21 de agosto de 2011

A velha jaqueta de lã.


Texto escrito por volta de Dezembro de 2010.


          O céu estava cinza, começara a anoitecer há pouco tempo. Ele andava em passos firmes pela rua. Vestia a velha jaqueta de lã, pesada, quente e aconchegante. Calçava os sapatos de bico fino, meticulosamente engraxados, que reluziam à menor presença de luz. Os tacos de madeira dos sapatos tiquetaqueavam à cada passo. No silêncio que imperava ouviam-se apenas seus passos e seu assobio. Assobiava para espantar seus fantasmas. Produzia calmas melodias para desligar os seus pensamentos e por mais efêmero que fosse o sentimento, esquecia-se de tudo por alguns momentos. Ele sentia frio.
          A luz do sol começara a baixar, e tudo tornara-se cinza à luz dos postes. Ele gostava da sensação que era andar por aquele bairro. Gostava do cheiro dos pinheiros, da calmaria das ruas, do som das crianças nas casas. Gostava da sensação de saber que ele pertencia àquele lugar. Após alguns minutos de caminhada uma leve garoa começara a lhe fazer cócegas no rosto. Depois, o vento gelado lhe cortava as faces e zunia em seus ouvidos. Começara a chover. Primeiro pingos finos que produziam estalos ao cair no chão. Depois grandes gotas que caiam e constituíam uma sinfonia de sussurros. Em poucos minutos ele já estava encharcado. Mesmo sua jaqueta protegendo-o da chuva, a água tocava toda a sua pele e roubava todo o calor de seu corpo. Sentia frio, lhe parecera que todo calor de seu corpo estava sendo roubado pela água gelada. Sua alma sentia frio.
          Chegara em passos largos, pingando água na soleira da porta. Ela esparava-o com um largo sorriso. Ele sentia frio. Beijaram-se, ela não ligara que ele estava molhado. Ela abraçou-o e eles, num rodopio, pararam no meio da sala. Não ligavam se ele estava molhado. Ligavam apenas um para o outro. Sentiam um o cheiro do outro, ele cheirando à chuva e roupas limpas, e ela com seu perfume de flores.Em seus abraços, sentiam a pele um do outro. Eram inteiramente um somente para o outro.
          Ele deixou suas roupas no varal. E os dois, entraram debaixo do chuveiro, beijavam-se e abraçavam-se. A água percorrendo os seus corpos à aquecê-los. Ele ainda sentia frio. Ficaram lá, apenas ouvindo um ao outro e à agua que corria por eles.
          Deitaram-se na cama. As roupas dele no varal, as dela ainda molhadas sob o chão do quarto. Na cama abraçaram-se e aninharam-se um no conforto do outro. Ela deitada sob o braço dele e ele com o queixo encostado na testa dela. Ficaram lá até caírem no sono. Dormiram como se tomados pelo sonho de Morfeu. Adormeceram profundamente, suas respirações produzindo leves ruídos. As cobertas lhes davam calor. Ela lhe dava calor. Ele já não sentia mais frio. E ele descobrira que o que sentia não era frio, era o imenso vazio da saudade que ele sentira dela durante tanto tempo.
          Ele já não sentia mais frio.

Nenhum comentário:

Postar um comentário