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quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Muito prazer, eu sou você amanhã

Texto escrito por volta de Janeiro de 2011


       Ele via fantasmas. Não, ele não via fantasmas. Ele chamava a própria consciência de fantasma. Conversava consigo mesmo. Não de forma esquizofrênica, mas de forma reflexiva. Gostava de ficar lá, pensando com seus botões. “Devaneios de louco.” - Como chamava. Tinha idéias, fazia planos, escrevia livros e tocava músicas. Tudo isso sem sair do lugar, fechava os olhos e prendia-se à sua mente. Construia castelos e destruia-os em instantes.
       Levantou-se lentamente da cama. Os olhos ainda desacostumados à luz que chegava pelas frestas da janela. Os carros faziam barulho na rua, apressados arrastando-se lentamente no congestionamento, feito um grande colosso de metal. Havia uma grande árvore em frente a sua janela, de galhos velhos e grossos tomados por outras plantas parasitas. A sombra no chão do seu quarto tinha a forma de folhas e fios de luz, criando um padrão de luz e cor oscilante no rítmo do vento.
       Colocou as calças Jeans surradas, e uma velha camiseta de banda. “Quantas camisetas desse tipo será que eu já não tive?” - Tivera uma dezena delas, eram suas preferidas. Vestia uma que trazia um grande raio rosa no peito, e  nas costas com letras vermelhas: “The Rise and Fall of Ziggy Stardust” - Dirigiu-se à cozinha em um lento desfile, pé-ante-pé. Encostou-se na pia enquanto ouvia o leve gotejar da cafeteira. Sentia o cheiro de café quente. Assobiava uma música lenta, como uma canção de ninar. Quase que instintivamente sabia ela de cor. Ao notar que assobiava esqueceu-se do rítmo, como uma bolha que se estoura foi-se embora a música de sua mente.
       Encostou-se na soleira da janela, xícara na mão. Bebia lentamente enquanto olhava os carros passarem. “Branco, vermelho, branco, prata, preto, preto” - Não pensava em nada, apenas deixava sua mente correr livre. Algum tempo passou, o final da xícara de café jazia frio na escrivaninha, manchando alguns papéis com um círculo marrom. Com um desleixado tapa no rádio ligou uma música, lentas batidas ritmadas, num baixo volume. O vocal sussurava palavras de amor. “Não, não agora.” - Desligou o rádio. - “Silêncio, só isso.”
       Deitou-se no sofá com um livro no colo. Leu uma, duas, três páginas apenas passando os olhos por ela. A história falava sobre vampiros ou coisa assim. Não prestara a atenção na leitura. “Te trago em mim como um segredo.” - Pensou. Tal trecho viera de forma inesperada, um surto criativo. - “Preciso escrever sobre isso, desenvolver mais.” - Gostou da sonoridade das palavras, da musicalidade e da ambiguidade intencional. “Depois eu escrevo.” - Pensou. Voltou a ler, agora de forma mais compenetrada. Passou alguns bons quartos de hora lendo. Esquecera-se de tudo que tinha escrito mentalmente.
       Os pássaros cantavam suas melodias nas árvores. O tempo passara, ele esquecera-se dos seus devaneios. Era sempre assim. Fadado à memória, e esquecido pelo tempo.

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