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terça-feira, 16 de agosto de 2011

isso não é amor

       Texto principal da série "isso não é amor". É aqui que as coisas começam. Ou terminam, dependendo do ponto de vista.
Texto escrito em Março de 2011

       “Pelo menos disfarça essas tuas lágrimas.” - Ele disse a ela sem olha-la.
       Entre soluços, lágrimas escorridas pelas faces vermelhas, ela disse em um sussurro quase inaudível. Um pranto desesperado que precisava ser dito. “Pelo menos me escuta.” O batom vermelho havia perdido a sua coloração. Agora eram apenas lábios manchados. Grandes olhos verdes manchados de lágrimas. 
       Ele distraiu-se alguns segundos com as lágrimas prateadas que refletiam a luz e escorriam lentamente pelo rosto dela. Com um movimento de lábios ela desviou a sua atenção e lhe disse novamente: - “Você não quer me escutar, né?” -
       “Não quero é ter que passar por tudo que nós já passamos tantas vezes.” - Sentou-se no sofá. Ela estava sentada em um dos outros sofás da sala. Ele preferia deixar bem claro que dessa vez a distância crescente era irrefreável. 
       “E se nós passamos tantas vezes, porque nós não vamos passar por mais uma?” - Os olhos suplicavam um perdão que não viria. Era triste.
       “Uma hora cansa, sabe. Você falhou comigo tantas vezes. E agora você ainda tem a impáfia de mais uma vez ir me pedir perdão.” - Disse ele rapidamente, sem pestanejar. Tinha a voz firme, decidida. - “Não vai ser mais uma vez, foi a última vez.” - Saiu em passos largos e foi até a cozinha. Bebeu em goles desesperados um copo de água, precisava molhar os lábios já secos. Substituir a saliva que secara no momento em que ela abrira a porta da sua casa.
       “Você não vai voltar aqui?” - A voz era de dar pena. Mas ele ainda permanecia impávido. Frio. 
       “Só volto com as suas coisas.” - Disse baixo, tendo certeza de que ela não ouviria. Foi ao seu quarto, e pegou todas as coisas que ela ainda tinha lá. Um casaco vermelho, algumas maquiagens, a carteira de cigarros, o isqueiro prateado e as fotos da parede. Jogou-as todas em uma sacola. Foi até onde ela estava e jogou com desdém a sacola aos pés dela. Ela, ao constatar seus pertences abandonados daquela forma, caiu em prantos desesperados. Sabia que não teria mais jeito.
       “Vai, agora faz teu tango. Diz tudo que você tem pra dizer pra ela.” - Pensou. Agora era a hora. Ele sabia ser cruel. Sabia em quais cordas tocar pra poder machucá-la. Ele não queria ela mais na sua casa. - “Já não foi a primeira vez que você em um lapso de raiva resolveu ir buscar prazer na cama de outro alguém. Agora você acha que porque nós brigamos você pode sair por aí feito uma meretriz? - A voz era calma, seca, como um punhal que vai direto na ferida.
       “Eu fiquei com raiva de você.” - Olhou-o denovo com aqueles olhos de quem já está cansada de chorar. A voz de quem já havia desistido. Era a epítome deprimente da resignação.
       “Agora quem tá com raiva sou eu. Eu te perdoei uma, duas, três vezes.” - A voz crescente em um grito contido de ódio. Ele começara a perder o controle. As mãos suavam. A visão enegrecia. Sentia a vermelhidão subindo às suas faces. Tremia um pouco. Abriu os braços e ironicamente começou a tagarelar. Os braços abertos num balé bizarro. Rodava pela sala num sapateado desordenado berrando palavras ao léu. Perdera o controle, deixara a raiva tomar conta. Fala não mais para que ela ouvisse. Mas sim para que a sua própria consciência tivesse ciência do quão irado ele estava. Estava falando para si mesmo. - “Você deve me achar um idiota. Não, na verdade eu fui um idiota mesmo. Me iludi nesse amor imbecil. E quem acabou sendo imbecil fui eu. Na primeira vez eu deixei passar porque achava que você não repetiria. Na segunda, fora uma semana em que nós não nos falamos. Só deus sabe o quanto eu não sofri, querendo ir para você feito um cão sem dono. Mas não, eu fui orgulhoso. Só que esse orgulho não durou por muito tempo. Eu voltei. Na terceira eu devo admitir que eu também me ‘vinguei’ de você. SIM, eu fui atrás de um outro corpo. Mas desisti no meio e novamente fui atrás de você, esperando que você estivesse arrependida. Idiota que fui. Mas agora vai ser diferente. Eu quero que você saia da minha casa.” - Estava ofegante, a garganta arranhara de tanto gritar. - “Sai, pega tuas coisas e vai.” - Disse entre os dentes. 
       Ela com medo, conformada lhe perguntou: “E se eu quiser voltar? E se eu te prometer?” 
Ele, ensandecido, pegou a sacola no chão e jogou porta afora. Dirigiu-se à ela. Segurou-a pelos braços e com o rosto quase colado no dela disse silábicamente: - “Vai embora daqui.” 
       As lágrimas brotaram-lhe no rosto. - “Não, isso não, você não vai chorar.” - Pensou.  
       A fúria novamente controlou-o. Aproveitando que estava segurando-a pelos braços ele levantou-a e jogou-a pela porta recém aberta. Pouco importando-se se ela machucaria-se. Bateu a porta, trancou-a e jogou-se no sofá.
       “Uma hora tinha que acabar.” 
       Ouvia as batidas na porta, o choro, os gritos. 
       Pouco importava-se. 
       Ele era frio. Cruel. 
       Após alguns minutos as batidas abrandaram-se. O choro parou. Ouviu passos na escada e o portão batendo. 
       Ela havia ido embora. 
       Ela agora já não tinha mais par pra dançar.

Continua.

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