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quinta-feira, 18 de agosto de 2011

A casa das lembranças

Texto escrito por volta de Janeiro de 2011


       Fazia muito tempo que ele não vinha a esse lugar, a casa de seus avós. Não gostava de lá. Gostava é de ficar em sua cidade, com a sua menina, sua casa, no seu lugar. Embora não gostasse daquele lugar ele lhe trazia muitas lembranças. Era a “Casa das Lembranças”. Crescera naquele lugar, passara a maioria de seus verões naquela casa. Cada canto trazia-lhe uma lembrança nova. Aquela praia crescera junto com ele. Ele lembrava dela de quando era pequeno, a cidade era pequena. Hoje, nada mais daquilo tudo fazia sentido.
       Sentado à beira do mar ele pensava. “O que eu estou fazendo aqui?” - Ele viera de obrigação. A casa já não era como antigamente, ele havia envelhecido, as janelas já não brilhavam como antigamente, os pássaros não cantavam mais como antes, as plantas não eram mais tão verdes, não haviam mais tantas flores. Não, ainda era tudo como antes. O que havia mudado era ele. Agora ele via tudo sob uma ótica diferente. Buscava um sentido lógico em tudo, queria entender a magnitude do mar, queria poder lembrar cada rosto que havia visto no enxame de pessoas que aquele lugar tornara-se, queria poder lembrar cada voz que ouvira. Sabia que enlouqueceria se continuasse pensando nisso. Resolveu apenas desligar-se. “Sair do corpo” - Como chamava. Esquecer todos os sons, todas as coisas que via e pensar, apenas pensar. Prendia-se à sua mente e esquecia-se de tudo. Olhou o mar, não prestava atenção em nada. Estava absorto em seus próprios devaneios, olhava o mar pois não tinha aonde mais olhar. “Talvez eu esteja louco” - Pensou.
       A chuva. A chuva ainda era a mesma. Começara a chover e a praia esvaziara-se. Ele era o único, salvo alguns poucos pássaros que sobrevoavam morosamente a costa. A chuva não estava forte, era apenas uma pequena garoa que martelava a areia e tecia uma mirabolante rede de desenhos. Sentia as leves agulhadas frias na pele. Gostava dessa sensação. Descobrira que isso fazia-lhe sentir-se vivo. Sentia a sua pele aquecendo-se para combater o frio que começara a chegar. Gostava também dos cheiros de lá, queria poder lembrar de tudo que um dia ele havia sentido. O cheiro do mar trazia-lhe a lembrança de quando era uma criança, passara horas bricando à beira do mar. Hoje esse cheiro não significava mais nada. Era só o cheiro do mar. Um cheiro que lhe causava um grande bem estar, apenas isso.
       “É um longo caminho de volta.” - Pegou a cadeira o começou a andar em direção à casa. A areia incomodava, vinha com a brisa do mar e grudava em seus braços, criando uma fina camada de suor e areia. O vento zunia em seus ouvidos e fazia-o cerrar os olhos. Caminhou, caminhou, caminhou. Viu pessoas que nunca mais verá na vida. Ouviu vozes das quais nunca mais se lembrará. “Como existe gente nesse mundo.” - Queria poder conhecer todas elas, ouvir suas vozes, saber suas histórias. “Nós realmente temos todo o tempo do mundo? - Não, ele sabia que por mais que tentasse nunca conseguiria ler seu último livro, ouvir a última música, tocar o último instrumento. Sabia que quando fosse a hora ele iria embora, e tudo que um dia ele chegou a saber tornar-se-á esquecimento. Sabia que teria alguém ao seu lado que irá lembrar-se dele, sabia também que essa pessoa um dia irá esquecer-se dele. Só restava a ele conhecer tudo que podia conhecer, para um dia esquecer tudo que tinha aprendido. “Estamos todos fadados ao esquecimento, à morte de nossas lembranças. Estamos perdidos no tempo. Estamos perdidos nas lembranças.”

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