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terça-feira, 16 de agosto de 2011

Frank Sinatra

Texto escrito por volta de Fevereiro de 2011.




       Um café, alguns vinis, cigarros acesos esquecidos no cinzeiro. O papel de parede já amarelara fazia alguns anos. Tudo naquela casa era velho. Alguns móveis estilo Luís XV juntavam uma fina camada de pó, um sofá de almofadas cor-de-creme, uma escrivaninha repleta de papéis com escritas inacabadas, um criado mudo com as gavetas abertas a abarrotadas de tralhas, e a velha poltrona de almofadas vermelhas. Lá jazia ele sentado. A luz do sol que penetrava pela persiana semi aberta era a única fonte de luz do quarto, um comprido feixe de luz que se estendia diretamente sobre o homem, iluminando seu rosto, seus ombros e um livro em sua mão. O resto da sala estava fadado à penumbra. Ele vestia um terno preto, corte justo, sapatos pretos meticulosamente engraxados, uma camisa branca e uma fina gravata de seda vermelha. Era um homem comum, elegante, nada fora dos padrões, nada que chamasse a atenção.
       Frank Sinatra tocava em um gramofone dourado, o volume estava baixo, a agulha arranhava preguiçosamente o vinil. Ele não estava apreciando a música, estava baixa demais. Estava apenas ouvindo o sussurro de uma voz familiar. Ligou a música apenas por companhia. O desajeitado gramofone jazia sobre um grande piano de cauda. Fazia muito tempo que aquelas teclas não eram tocadas. O veludo vermelho de proteção das teclas fora esquecido, junto com as partituras, e com a vontade de tocar. Em cima do tampo haviam alguns discos, todos eles lhe faziam a mesma companhia todos os dias.
       Algumas crianças brigavam lá fora, ele já não lembrava mais tanta coisa da época em que fora criança. Só se lembrava que naqueles dias não haviam preocupações.
       Colocou o livro em seu respectivo lugar na estante, uma estante que ocupava toda a parede, muitos e muitos livros. - “Quanta companhia.” - Pensou ele. Desde jovem ele colecionava livros, cada livro lhe trazia uma pessoa à memória. A passoa que deu o livro, alguém parecido com um personagem, nomes similares. Cada livro era a personificação literária de alguém querido, ou não querido.
       Dirigiu-se à janela. Levantou as persianas. O sol ardeu-lhe levemente nos olhos. A pele da face retestou-se um pouco com o calor. Após alguns segundos para se acostumar com a luz laranja do fim da tarde ele pôde ver claramente as crianças correndo e jogando bola. - “Aproveitem, aproveitem enquanto há tempo. Vai chegar um dia em que vocês não vão nem se lembrar da última vez que vocês fizeram isso.” - Ele sentia-se desesperado. Sabia que estava velho. Sabia que uma hora iria morrer. Sabia que tudo que um dia ele aprendera seria simplesmente esquecido com a morte. - “Sorte daqueles que não tem essa percepção. Felizes em sua ignorância. Pois pra mim, Dona Morte, a senhora já vem cavalgando ao meu lado faz muito tempo. Eu já sei da crueldade que é ter todas as lembranças de uma vida inteiras perdidas no éter da memória. Um grande banco de lembranças orgânico que é simplesmente apagado. É só o fim, meu amigo.”
       Sentou-se novamente na poltrona. Sentiu uma pontada no peito. Sabia que aquela era a sua hora. Sabia que uma hora todas as suas memórias seriam esquecidas. - “Esse é só o fim, meu amigo” - Fechou os olhos. Frank Sinatra ainda tocava. Mas agora seus sussurros não eram mais ouvidos por ninguém. Frank Sinatra não tinha mais companhia. Era apenas mais uma faixa em repetição.

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