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sexta-feira, 29 de junho de 2012

Fel

Complemento de "Bullet With Butterfly Wings". Pra você que tanto queria um final, ainda não acabou.

"A gente se vê de novo?" - Ela pergunta para você.
E você brinca, dizendo que ela ainda deve algo a você. E sorrindo, deixando uma baforada de cigarro para trás ela vai embora.
É tinta, poeira e fumaça. A cidade toda é assim.
E ela também.

Você lembra do cheiro que ela deixou quando foi.
Era o cigarro.
Aquele cheiro amargo que saía do meio dos dentes amarelos.
E agora, você cheira a sua mão e sente este cheiro.

Você começou a fumar por causa dela.
Mas ela era só uma piada. Uma puta barata.
Uma viciada.
E você viciou-se
nela.
Você sabia que ela se picava. Você viu as marcas.
O que ela tinha de especial?

A cada cigarro que você acendia você esperava que ela lhe viesse pedindo um.
Foi assim que começou, não?

E durante muito tempo a agonia corroeu seus pulmões. Os fez ficarem pretos. E durante muito tempo a saudade corroeu seu peito.
Você está murcho por dentro.
E ainda cheira as suas mãos lembrando dela.

Todos os dias você vai naquele café.
Espera.
E esquenta as mãos em uma xícara.
Acende um cigarro e,
espera.

Até que um dia você vai sair e ela vai dizer- "Ei, eu ainda te devo algo."

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Bullet With Butterfly Wings

        Esta é a história de amor mais bonita que você já viu.
        Esta é a pior história de amor que você um dia vai ler.
        E isso, isso não é amor.
        Amar doentio assim vale a pena?

        "Me arruma uma carteira de cigarros que eu te pago um boquete." - E você vê. Vê os pés sujos. Vê-os descalços. Vê a saia encardida de toda a imundice das ruas. E ela tem a cor da rua. O céu é cinza. E a pele suja tem a mesma roupagem do concreto, do asfalto e do céu.
        "Não, obrigado." - E você para, se vira e intrigado pergunta. - "Eles te pagam tão mal assim?" - Ela é feita de todas as suas síndromes. Ela é feita de todos os seus medos. Ela é feita de tudo o que você sempre escondeu. Tudo o que você sempre evitou.
        Ela é só uma puta de esquina. Uma piada.
        "Não são eles que me pagam mal, é que você é caro para mim." - Os braços parecem um esqueleto embrulhado em seda. A carne pende frouxa nos braços, mal há músculos. Os tendões são cabos de aço repuxados entre as fendas da carne. Mas essa seda tem fios puxados. E na brancura cor de cera uma dezena de pontos vermelhos destacam-se. Feridas criam casca. Queimaduras, picadas. Chagas vermelhas perdidas em uma imensidão de dor.
        E ela era suja.
        "Caro como?" -Ela te olha nos olhos. Por entre os cabelos castanhos imundos você vê as pupilas dilatadas e a pequena íris que desenhavam um contorno minúsculo de azul.
        Ela aproxima-se. Passo-ante-passo veio caminha até você.
        E você tem medo. 
        Os pés descalços ignoram a sujeira, os cacos, e pisam sobre jornais molhados na calçada.
        E ela vinha. Vinha com um sorriso. Vinha com as mãos à frente.
        E ela toca o seu rosto.
        Você sente o gelado das mãos.
        Como se te pegassem pelos cabelos e enfiassem sua cabeça em um balde de gelo ela diz:
        "É mentira. Você não é especial."
        "E você é só uma vagabunda de esquina." - Você lhe responde.
        
        Os segundos passaram-se como se fossem eternidade. E neste tempo vulcões explodiram. Tempestades assolaram os mares. Icebergs despedaçaram-me. Continentes inteiros moveram-se. Gerações e gerações povoaram a terra.
        E ela te olha.
        Te olha com as íris minúsculas.
        Te olhava com as pupilas dilatadas.
        Ela era só uma piada de mau gosto.
        Começou quando eu vi Marla.
        Começou quando eu li Tristessa.
        Começou quando eu li Christiane F.
        E ela era a mistura das três.
        Ela era só uma vagabunda de esquina.
        Uma piada.
        
        "Esse é o elogio mais sincero que alguém já me fez." - Ela Sorri.

        Perca seu carro. Perca seu emprego, sua casa. Sua dignidade.
        Mas não perca o amor da sua vida.
        
        Pergunte-a se ela quer tomar um café. Você lhe deve cigarros.
        Perca seu medo.
        E uma vez na vida, saia da sua zona de conforto.
        Perca os sentidos.
        
        "Quer tomar um café comigo? Eu te pago aqueles cigarros."

        Onde você estava com a cabeça?
        "Sabe, aquela parte do boquete. . . Não precisa." - Você tem medo.
        "Você não entendeu quando eu disse que você não era especial, né?" - As mãos dela tremem enquanto ela coloca açúcar no café. Os pequenos cristais espalham-se pela mesa toda, irradiando pequenos pontos de luz fluorescente contra o revestimento de fórmica. Feito as pupilas. Pequenas íris irradiando luz no fundo de fórmica preta.
        "Que marca você quer?"
        "Marlboro Light, por favor."
        Você entrega os cigarros, ela parece um animal sedento. Uma triste criatura que só queria se entorpecer. Com selvageria ela abre o maço. E ainda dentro da cafeteria ela acende o primeiro cigarro.
        Quem diria que esse cheiro iria ficar encrustado na sua vida.
        "A gente se vê de novo?" - Enquanto ela pergunta você vê fumaça saindo pelo nariz.
        "Se lembra do que você me deve?"
        Ela era só uma piada.

        Perca tudo, mas não perca o amor da sua vida.

        E assim, cada um vai para o seu rumo.
        Aparentemente vocês seguem as suas vidas.
        Vocês esperam nunca mais se encontrar. E vocês acham que na memória só vai ficar a sujeira dos pés, o gosto do café e o cheiro dos cigarros.
        Mas não.
        Afinal, ela era uma piada.
        Mas uma piada muito bem contada.
        Tente contar esta história depois que seus dias forem novamente todos iguais. Depois que sua vida voltar a seguir o fluxo cotidiano.
        Você é monótono. Ela é suja.
       
        Perca tudo.

        Tente dormir. Mas se lembre dela. Não durma. Sinta o cheiro de cigarro nas suas mãos.
        E todo dia, você vai levantar, não vai acordar pois você não vai estar dormindo, e vai arrumar-se. Vai colocar seu terno e vestir a sua rotina.
        E todo dia você vai passar por lá.
        Esperando ouvir. - "Me arruma uma carteira de cigarros."

        Mas você não vai ouvir.
        Você perdeu tudo.

        Até o dia em que você sair do café e ouvir. - "Ei, eu ainda te devo algo."

        Continua.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Penrose

Me atinge da melhor maneira,
como cachaça certeira.

Então vamos falar do tempo, de todas as coisas que eu já fui.
Daquele que sofreu, daquilo tudo que agora sou eu.
De tantos discos que eu ouvi, eles me fizeram
e a história agora flui.

De tantas gurias que eu tive, elas me fizeram.
Discos, gurias e alguns cigarros.
E agora, a história flui.
feito fumaça, esvai.
Assim, igual mas diferente.

Eu me olho no espelho e eu ainda sou o Lucas de dezoito anos atrás.
Eu pego o lápis, escrevo, e não sou o mesmo de um livro atrás.
De tantos livros que eu li, eles me fizeram.

Livros , gurias

discos, cigarros.

his tó ri a

Vai, constrói. Que é isso que você sabe fazer.
Destrói,
         que é pra isso que nós fomos
criados.
E cada coisa que eu fui vivendo,
foi me construindo.
Argamassando os blocos da consciência.
Fundando os pilares da personalidade.
As pedras gastas, o vidro polido
As salas abandonadas
                              os salões suntuosos
Tudo dentro
                 de mim.
De mim.
Escondendo nos degraus as nuâncias
de personalidade.
Construindo assim
Um pavilhão chamado eu. 

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Vernissage

Pra ler ouvindo Delicate, do Damien Rice.


        Toda vez que eu olhar para as flores eu vou lembrar de você.
        Lembrar de você falando de Renoir, Van Gogh e Monet.
        "Os grandes artistas são sempre loucos, sabia?"

        Toda vez que eu sentir o cheiro de flores eu vou lembrar de você.

        E com cada palavra eu vou pincelando as nossas histórias. Como se eu fosse um pintor vou escrevendo na tela, na página, ou simplesmente contando pra você.
        As pinceladas borradas, as rimas erradas. Tudo tão torto. Eu não sou poeta, eu não sou pintor. Mas com o caos, com as formas sem traço, com as cores difusas Monet fez a menina do parasol.
        E as flores. As flores que não passam de uma massa disforme de cores misturadas. Tudo foge ao olhar. Não queira olha apenas uma flor da obra inteira. Um quadro é para ser visto todo de uma vez. Aí sim que as coisas fazem sentido.
        Não queiram ler as histórias separadas. Cada história é uma pincelada de um quadro que ainda não acabou. Estamos vagarosamente, com o ritmo do tempo pintando nossas histórias.
        
        E eu segurei tua mão. Vi as flores se desfazendo no seu cabelo. Enquanto você andava pelo campo as elas eram só uma imagens indistintas no meu olhar. E com meus olhos impressionistas eu só podia ver você. Você fugia do borrão que era todo o meio e destacava-se como uma Vênus renascentista. Perfeita. Proporcionada. Pura e límpida. Sem defeito algum. Assim, minha Vênus renascentista, cheia de detalhes,  pintada com esmero entre as flores impressionistas borradas na minha visão.
        Tudo perde o foco. Só fica você.

        "Acho que eu estou ficando louco, sabia?"
        "Não vai. Eu não deixo, já falei. Ou então, eu fico louca junto."