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domingo, 25 de março de 2012

As mariposas.

Eu sou um cigarro queimando lentamente ao vento. Enquanto as asas das borboletas pegam fogo, as mariposas vão embora. As cinzas estão na minha janela.
Então acene.
Abane, abane e abane.
E veja indo embora. Veja as asas subindo e indo em direção aos céus. Veja o tempo escorrendo pela ampulheta. Feche os olhos e deite.
Feche os olhos e deixe o vento envolver toda a sua cama. Sinta a brisa deliciosa nos seus ombros. Sinta as suas roupas balançando e sinta o frio na sua pele.
Bata as asas e voe.  Uma vez, duas vezes, três vezes. Cada vez mais alto. Vá embora, suba aos céus. Você tem tempo.
Vá embora e de tchau aos que vão.
Veja a mariposa na sua janela. Veja as suas pequenas asas e voe.
Se debruce na sacada para observar as mariposas que voam no céu. Você as verá esvanecendo devagar. Afastando-se cada vez mais e tornando-se um ponto negro no infinto azul.
Feche os olhos e deixe-se levar. A corrente de ar te leva feito uma pequena cinza navegando pelos céus.
As mariposas formam um enxame em frente a sua sacada. São tantas. São tantas as pessoas que você viu todos estes dias. São tantas as mariposas que vagarosamente vão embora. São tantas as pessoas que desaparecem da sua vida.
Talvez eu seja uma mariposa.
Talvez eu possa voar.
Talvez eu seja a mariposa de alguém, que vagarosamente vai embora. Que some. Que esvanesce neste céu azul.
Eu vou tentar mais uma vez. Vou atrás das minhas mariposas e vou prendê-las todas em minha rede. Mas elas fogem. Você nunca consegue prender alguém por muito tempo. Alguns dias, algumas semanas. Talvez meses e até anos. Mas as mariposas nas latas vão embora.
E alguém tentou me prender em uma lata. Mas eu fui embora.
Eu sempre vou. Todos vão.
E às vezes alguma mariposa pousa na minha sacada. Às vezes alguém volta à minha lata, fica lá por algum tempo, horas talvez. Às vezes é um pequeno vôo rápido. Mas elas sempre vão embora. As mariposas vêm, posam na minha sacada e voam para os seus destinos.
Eu sou uma mariposa. Eu coleciono insetos que vão embora.
Mas talvez eu precise apenas me deixar levar pela corrente de ar. Abrir as minhas asas cinzentas das lembranças e deixar a gravidade fazer o seu trabalho.
O parapeito da sacada é baixo. É tão fácil voar sobre ele. E enquanto eu voo eu vejo todas as mariposas da minha vida. Vejo cada pessoa que passou.
E eu vejo deus.
Enquanto eu caio eu sinto a serenidade absoluta. Talvez eu nunca tenha sentido tamanho conforto. Talvez encontrar deus seja este poder de voar. Seja esta sensação de estar livre de todos os limites físicos. É a mão de deus que me puxa para o chão. E tudo aquilo que um dia eu procurei, tudo aquilo que eu buscava para preencher na minha vida estava lá, na queda.
São poucos segundos. Mas enquanto eu caio eu voo. Eu me vejo livre das barreiras físicas que seguram o meu corpo.  Não há roupas. Não há mente, tampouco corpo ou sentimento algum. É apenas a sensação de cair, de sentir o vento secando os seus olhos.
A queda do décimo andar não dura nem cinco segundos. Mas o fim é livre. É voar. É ser a mariposa que foi embora e desapareceu no céu azul. Que desapareceu na calçada pintada de vermelho.
Eu voei, eu caí.
Eu vi deus.
Eu fui embora.
Eu fui a mariposa que já houve dentro de todos nós.