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quinta-feira, 18 de agosto de 2011

A fênix das asas de vidro

Texto escrito por volta de Fevereiro de 2011.


- “Vai, voa.” -
- “Mas tu sabes que eu não sei voar.” -
- “Então tu aprenderás.” -
- “Tu sabes que sozinho eu não conseguirei.” -
- “Vai, voa com essas tuas asas de vidro. Quebre-as, renasça das cinzas e dos cacos. Levanta-te do teu leito morimbundo de morte. Vai, voa e descobre como o mundo é grande. Voa e descobre tudo que tens para descobrir.” -
       Fechou o livro. As palavras recém lidas ainda ressoavam na sua mente. - “Vai, voa e descobre.” - Ele sempre tivera um desejo inato de conhecimento. Desde sempre fora curioso, atento às mudanças. Buscava conhecimento, queria sentir o cheiro de cada planta, ouvir o som de cada voz, conhecer cada história que tinha para conhecer. Mas todo essa ânsia de conhecimento era cruel, nunca poderia adquirir conhecimento na sua totalidade. Sempra há brechas, sempre há algo mais, nunca acaba. - “E eu não posso renascer das cinzas com as reflexivas asas de vidro.” -
       Encantava-se com a peculiaridade das coisas. Às vezes percebia-se atido à detalhes ínfimos das coisas. A mancha no padrão dos veios da madeira. A trama colorida do tecido da blusa. Os lábios femininos, via-os mexendo-se indefinidamente mas não prestava a atenção no som, apenas nas cores, o vermelho vibrante que dança desordenadamente escondendo o branco dos dentes. O teto velho, mofado, com rachaduras nas pinturas, criando um interminável padrão de bordas e curvas. Padrões, esse tipo de coisa encantava-o. Procurava repetições, sistematizava tudo. Para ele tudo era um ciclo interminável. - “O renascimento das asas de vidro.” -
       Tinha o desejo de viajar. Para ele era absolutamente inimáginavel a vastidão do mundo. Centenas e centenas e centenas de quilômetros infindáveis. Havia tantas terras que ele nunca havia visto. - “Sabe,eu acho que os ciganos é que são felizes.” - Costumava dizer. Queria conhecer culturas, do variado composto cultural das civilizações asiáticas ao hostil índio sul-americano. Queria poder guardar em sua mente cada música, cada ritual, cada sabor, cada cheiro, cada lugar em si.
       Sem dúvida era egocêntrico. Sabia exatamente até onde podia ir, sabia do que era feito, sabia exatamente o que era. Sabia que fora melhor que muitos. - “As asas de vidro.” - Dotado de uma fraca constituição física que contrastava com a imponência moral, voz forte, altivo, sereno e complacente. Acreditava em alguma coisa, considerava que o conforto espiritual vinha da necessidade do homem de buscar consolo em outros planos etéreos, imateriais. Acreditava no karma. - “Você faz coisas boas, você recebe coisas boas. Você faz coisas ruins, recebe coisas ruins.” - Nada de Deus, de espiritos, de nietzsche, nada. Por mais que essa sua “não convicção” fosse um grande equívoco, ele preferia simplesmente acreditar em nada. - “Afinal, pode ser sim um erro. Ninguém sabe o que nos espera. Talvez Deus exista e eu esteja condenado à danação eterna. Talvez ele não exista e eu evitei a perda de uma vida toda dedicada à devoção cega.”
       Era certamente um grande irmão da luxúria. O prazer carnal. A vodka. O cigarro. O sexo. - “Tá aqui o meu deus ó.” - Dizia com a garrafa em mãos. Acreditava que todo homem precisava de uma fuga da realidade. Então ou era Deus, ou era a luxúria. Ficou preso à carne.
       "Eu perdi a fé. Eu perdi as minhas asas de vidro e não posso mais renascer."

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