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sábado, 10 de setembro de 2011

Resiliência




Resiliência
(inglês resilience)
s. f.1. Fís. Propriedade de um corpo de recuperar a sua forma original após sofrer choque ou deformação.
 2. Fig. Capacidade de superar, de recuperar de adversidades.
       “Eu aposto como você deve estar pensando em como tudo isso ia terminar.” - Disse ele em tom baixo. Vestia um sobretudo de lã cinza e botões transpassados, de corte italiano, elegante. A barba já estava alguns dias por fazer. O cabelo desgranhado. Os olhos vermelhos de quem tinha muito pra chorar, mas não o fazia pois não tinha mais forças. Aparentava estar cansado, fazia alguns dias que não pregava os olhos de noite. - “Sabe, eu só preciso de um banho, de roupas limpas, e de um bom café quente. Aí eu sei que tudo isso vai passar, e que eu vou me esquecer de você.” - 
       Conheceram-se em um bar, ele ia costumeiramente lá, apenas para tomar algumas cervejas, sempre desacompanhado. Ela era a primeira vez que ia. O bar não passava de um boteco barato, escuro, com as paredes engorduradas e mesas de madeira velha, riscada, batida, e quebrada. O chão preto e branco já estava desgastado pelo tempo. O balcão era de pedra, tinha marca de copos, queimaduras de cigarro e alguma coisa que ele imaginava ser sangue seco ou talvez apenas blood mary derramado. Tudo naquele lugar parecia velho, usado, esquecido.
       Ele estava sentado em uma das banquetas apoiado sobre o balcão. A cerveja quente já no final. Chamou o barman. - “Me dá mais uma.” - disse, levantando a garrafa. Sentiu um perfume. Algo que desviou sua atenção por alguns segundos. O cheiro era mais forte que o ranço humano daquele lugar, um cheiro gorduroso, era de dar nojo. Mas ainda assim o cheiro dos seus cigarros o faziam esquecer o cheiro detestável daquele lugar. Uma garota sentou-se ao seu lado. Aquele perfume era dela. 
        “Eu acho que você deveria estar bebendo alguma coisa mais forte.” - Disse ela. 
       Ele olhou-a por alguns segundos, cabelos curtos, loiros na altura dos ombros, vestia um vestido de seda vermelho e saltos altos. Os braços finos pousados sobre as coxas. E aquele perfume. Era doce, mas não doce em excesso à ponto de enjoar. Era apenas hipnotizante.
       “E porque é que você acha isso?” - Perguntou ele.
       “Porque eu quero ver você perder o controle.” - Disse ela com um sorriso malicioso.
       “Você nem me conhece, e já me vem com esse papinho de descontrole. Eu lá sou pessoa de perder o controle?” - Já começava a demonstrar-se indignado.
       “Sim, você vai perder o controle, eu conheço seu tipo.” -
       Olhou desconcertado para ela. - “Não, você não conhece o meu tipo.” - Desafiou.
       “Então eu quero conhecer.” - Disse ela em uma resposta rápida.
       “Muito prazer, me chamo James.” - Disse ele com um sorriso irônico.
       “Ora, eu sou Vanessa.” - Seu semblante demonstrava um tom sarcástico, os lábios vermelhos contraidos em sorriso retraido. Os olhos verdes semi cerrados à luz baixa. 
       Depois de algumas tequilas, algumas palavras jogadas fora, a conversa ficou mais íntima, os toques eram mais frequentes, as mãos encontravam-se e os corpos aproximavam-se. Um buscando o calor do outro. Os olhos encontraram-se. Ambos tinham um olhar de lascividade latente. Ambos já estavam bêbados, decidiram andar um pouco. Foram parar em um pier. Sentaram-se com os pés encostando na água. Ela vestia o sobretudo cinza dele. Os sapatos de salto alto estavam largados ao lado das botas de couro dele. 
       “Sabe, eu acho que eu poderia morrer agora.” - Disse ela descontraidamente. Como quem diz não para ser ouvida, mas apenas para falar consigo mesmo.
       “E porque?” -  Perguntou ele. 
       “Porque isso tudo é lindo demais, é tão lúdico.” -
       Suas vozes eram supressionadas pelo som do mar. Os olhos estavam fixos nas estrelas. O horizonte fundia-se com o escuro do mar. Era tudo escuro. Viam-se poucas luzes, apenas alguns barcos. Olharam-se. Novamente a lascividade. Os rostos aproximavam-se cada vez mais, os lábios retestados com medo de dizer alguma coisa que fosse dar errado. Olhavam-se profundamente. Ela beijou-o. Avançou sobre ele como um tigre que agarra uma presa. As alças do vestido já lhe caiam sobre os ombros. Ele rendido com o peso dela sobre ele não podia fazer nada. Não queria fazer nada. Pra falar a verdade ele queria sim fazer, não queria é resistir. Fizeram amor lá mesmo, ninguém passava por aquelas bandas fazia algumas horas, ninguém veria nada. Não, aquilo não era amor. “Fazer amor” não passa de um eufemismo batido. Aquilo foi sexo do mais brutal. Ambos estavam em uma paixão carnal momentânea. Deixaram os instintos agirem. Tornaram-se animais durante algum tempo apenas em busca de um prazer recíproco. Aquilo não era amor. Não havia amor algum. Era apenas sexo. 
       Depois foram para a casa dele. Mais algumas horas de entretenimento lascivo direcionado pela bebida. Dormiram juntos, na mesma cama. Abraçados. Ele tinha o perfume dela na pele. Ele acordou sozinho, enrolado nas cobertas. Olhou para os lados e viu ela procurando as suas roupas pelo chão. 
       “O que é que você está fazendo?” - Perguntou ele. Ainda com a voz embargada de sono.
       “Indo embora.” - Disse ela enquanto colocava a delicada calcinha de renda.
       “E porque?” - Sentou-se na cama com um pulo assustado.
       “Por que sim, oras. Você tem dinheiro pro táxi?” - Respondeu ela, sem olhar para ele enquanto arrumava os cabelos no espelho.
       “Pensei que você ia ficar, que nós íamos passar o dia juntos.” - Disse ele enquanto levantava-se.
       “Você pensou o que? Que isso tinha sido amor? Que isso tinha sido especial? Não, isso foi só sexo, querido.” - Ele atônito não sabia o que responder. - “Você acha que a vida é um lindo livro do Dostoiévski onde a ‘Beleza salvará o mundo? Ah, pare de ser idiota.” - Ela sentiu a ira crescente nele.
       “Vai, vai embora.” - Disse ele pegando a carteira. Jogou algumas notas no chão e disse: “Não sei nem porque eu perdi meu tempo acreditando em alguma coisa.”
       “O amor não existe, meu querido. Você foi simplesmente meu brinquedo. Agora que eu estou satisfeita eu vou embora.” -
       Ele estava ensandecido. Havia perdido o controle. Estava com raiva. Queria que ela desaparecesse. Queria nunca mais lembrar dela. Ele deu-lhe um tapa no rosto com as costas da mão. Queria descontar aquela raiva. Queria que ela sentisse alguma da mesma forma que ele estava sentindo. Se não fosse dor, seria a vergonha. Ela perdera o equilíbrio e fora parar no chão, olhava para ele com as mãos na boca. Assustada. Mas ela levantou-se. Com um sorriso irônico de que ganhou.
       “Viu, eu te falei que você ia perder o controle.” - Pegou as notas do chão, pegou sua bolsa e saiu com os sapatos de salto alto na mão. De passos leves. Bateu a porta.
       Ele sentou-se na cama. Começou a chorar, não sabia porque estava chorando, talvez fosse a sua forma de lidar com a raiva depois que ela passava. Não queria ter feito o que fez. Não queria que as coisas tivessem acabado da forma que acabaram. Poderia ser tudo diferente. - “Eu aposto que você já sabia como tudo isso ia terminar.” - Saiu para caminhar um pouco, tomar um café. Vestiu as mesmas roupas da noite anterior. Elas ainda tinham o cheiro dela. - “Sabe, eu só preciso de um banho, de roupas limpas, e de um bom café quente. Quero tirar esse seu cheiro de mim e te esquecer. Esquecer o que eu fiz. Esquecer tudo.” - Suas mãos tinham algo que ele não sabia ser se era sangue ou batom vermelho. 

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