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segunda-feira, 28 de maio de 2012

Broken love song

       Este texto foi escrito para uma atividade escoteira. Em meio a uma atividade noturna a tropa sênior encontrou esta carta no meio do caminho . . .





        Escrevo esta carta com os punhos em sangue. Eu ouço Lúcia chamando de algum lugar mas não se onde. Talvez quando a lerem Lúcia já estará há muito tempo perdida. Eu não consegui conter Ezequiel e suas maldades. Tentei suprimi-lo, ignora-lo e até algumas vezes dar o que ele queria. Mas ele só queria destruir.
        Ezequiel gosta de suas maldades. E odeia tudo aquilo que eu amo. Se eu soubesse disso teria ficado longe de Lúcia desde o início.Ezequiel nunca manifestara-se na minha vida até a chegada de Lúcia. Aconteceu logo no primeiro verão em que ela passou aqui na chácara. Entre os meus afazeres diários de caseiro eu via a pequena garota correndo pelos campos, brincando de balanço, e aproveitando a companhia dos animais. Lúcia amava os animais e nós tínhamos, alguns porcos, galinhas e vacas, além dos cães e gatos.
        E foi pelos animais que Ezequiel começou suas maldades. Primeiro eles desapareciam. De um dia pro outro, em algum período da noite eles simplesmente desapareciam. E assim eles foram sumindo um a um. Cada dia eu dava por falta de um dos nossos animais. Mas quisera eu não ter os encontrado. Acha-los foi mais cruel do que perdê-los. Dia após dias os animais que haviam desaparecido reapareciam mortos, despedaçados, suas carcaças espalhadas pelos cantos da chácara.
        Tudo isso porque um dia, enquanto eu trabalhava Lúcia disse-me: "Eu amo todos os animais, sabia? Eles são tão fofinhos." - E eu senti naquele momento a fúria cega de Ezequiel caindo sobre nós. Após o terrível episódio dos animais os pais de Lúcia decidiram leva-la embora, e assim ela só retornou no ano seguinte. E durante todos os meses que ela não esteve na chácara Ezequiel nunca apareceu.
        O ano passou tranquilo, novos animais nasciam cada mês e o estrago que Ezequiel causara fora rapidamente consertado pelo tempo. Mas toda a calmaria foi novamente destruída pela chegada de Lúcia. Agora mais velha, Lúcia retinha um medo contido de mim. Não chegava perto, falava com poucas palavras, nunca olhava-me nos olhos. Talvez ela soubesse que Ezequiel sempre estava por perto.
        Nós temos uma dezena de pinheiros na chácara. Todos eles muito velhos, muito altos e frondosos. E um deles era especialmente querido por Lúcia, o que ficava mais perto de casa. Há alguns meses eu havia pendurado um balanço em um de seus galhos, e o novo brinquedo tornara-se a grande diversão do verão de Lúcia. E quando Ezequiel descobriu isso ele colocou suas maldades em prática. Um dia, ao acordarmos o grande pinheiro estava em chamas. Toda a sua copa pegava fogo como um segundo sol no céu matinal. A tábua da balança fora encontrada em frente a casa principal da chácara. Parcialmente chamuscada, e com uma mensagem escrita em vermelho "Lúcia ♥".
        Ezequiel era mau. Queria sugar tudo aquilo que eu amava e destruir. Eu amava Lúcia. Morei sozinho todos os anos adultos da minha vida, nunca tive esposa e portanto também nunca tive filhos. E Lúcia secretamente era a filha que eu quis ter. Ezequiel sabia disso. E Ezequiel me destruiu por isso. Nestes dois anos que Ezequiel esteve pregando peças eu nunca soube o que ele era. Tudo para mim era um mistério. Ele sabia esconder-se. E agora, eu só sei da existência dele porque ele permitiu-me vê-lo.
        Ezequiel aproveitava-se dos meus momentos de sono para levantar. Assim que eu pregava os olhos era ele que abria-os e levantava. E protegido pelo meu sono ele podia fazer o que queria.
        Na terceira vez que Lúcia veio à chácara ele decidiu dar o golpe derradeiro. Ontem eu descobri quem ele era realmente. Ezequiel era o ódio contido dentro de mim, Ezequiel era as minhas minha mãos descontroladas e a minha consciência doentia. Benjamim era secretamente Ezequiel, e Ezequiel era intimamente Benjamin. Tudo o que ele fez era apenas a minha vontade contida. Ezequiel era apenas ele preso no meu corpo, e nós éramos um só.
        Antes de saber de tudo isso, esperando apenas mais uma noite normal eu deitei para dormir. Mas meu sono foi interrompido, e eu acordei com Lúcia em meus braços. Mas quem controlava-me era Ezequiel, todo o meu corpo agia de acordo com sua vontade. Eu era apenas um espectador dos meus próprios olhos. Eu gritava, debatia-me, tentava mover-me, de algum modo livrar Lúcia do que eu sabia que Ezequiel era capaz de fazer. Mas eu não conseguia, e Ezequiel simplesmente sorria. Aquela visão de Lúcia que ele deu-me era apenas para torturar-me. E quando satisfeito com o meu desespero simplesmente apagou-me no sono.


        Ezequiel tomou Lúcia e escondeu-a em um lugar onde agora eu não sou capaz de achar. Agora, de manhã eu sei que tudo aquilo era real. Eu acordei na minha cama, mas acordei com os pés sujos de barro. Eu sei que Ezequiel não matou Lúcia, ele vai dar-me tempo para procura-la. Ele sabe que eu não vou acha-la, e tudo isso é apenas uma diversão doentia dele.


        Escrevo esta carta com os punhos em sangue. Quem sabe as navalhas não contenham o mal que ele poderá fazer com Lúcia. Se encontrarem-me antes de encontrarem Lúcia deixem-me, eu sou um monstro.
Quem merece viver é Lúcia. Eu estou fadado a pagar pelos crimes que Ezequiel me fez fazer.




Benjamin Ezequiel

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