Páginas

domingo, 22 de julho de 2012

Para-sol.

Era tudo em escalas de cinza. E você vivia essa sua vidinha em preto-e-branco. Cama-cozinha e um caderno em branco. Com seus olhos sem cor você via o mundo acontecendo ao seu lado e você deixava tudo perder o brilho.
A água corria sem irradiar luz. A música tocava sem beleza. E a poesia não emocionava mais.
Que belo poeta você se tornou, hein?
Para escrever as coisas belas você precisa viver coisas belas. E o que existe de belo neste azul-tornando-se-cinza das paredes do seu quarto? Os tons de sépia dos gibis não são o que você pode chamar de bonito, certo? Você precisa ver o colorido das coisas. E o seu teto é de madeira, deixando tudo mais escuro por dentro. Há um ipê na frente da sua janela, e seu quarto é virado para o sul.
Não tem luz, não tem cor, não há brilho algum dentro de você.
Que belo poeta você é.
Então o que alinha meu coração ao teu?
As poesias, talvez.

A água corre nas suas mãos mas seu brilho é artificial. Todos os seus dias sob lampadas fluorescentes lhe fizeram ter um brilho estranho na pele. Seu olhos agora estão acostumados à luz artificial. Você já se esqueceu da cor dos seus braços sob o sol. Agora você é apenas iluminado por telas e lâmpadas ecologicamente corretas. Mas de que adianta a luz ecologicamente correta se luz de verdade você não tem?
Criados em salas de aula, escritórios, em frente a televisões e computadores, nós nos esquecemos o que é a luz de verdade. Criados em ambientes anti-sépticos nós nos esquecemos do que é sujar os pés na terra.
Foi isso que te fez perder a poesia, não foi?

Eu almoço angústia e vejo os sorrisos na TV. Vejo os utensílios descartáveis de hotel. Vejo as camas arrumadas e os lençóis trocados todos os dias. Vejo pessoas sorrindo para mim sem ao menos saber quem eu sou. Me desejam um servil bom jantar, mas não estão interessados na minha satisfação. Ah, a doce e servil simpatia. Você pode chamar isso de casa?

Mas ainda faltam as cores e o brilho da água.
Falta o vermelho dos lábios e a risada de menina.
O enrolado dos cabelos, as arestas do sorriso.
Os olhos de fundo de poço.
E você chama tudo isso de saudade.

E você abaixa o para-sol do carro para tirar o sol da sua visão. E no espelho você os olhos fundos. Você vê o castanho. Olha cada centímetro da sua pele. Os lábios e a barba de uma semana. Você vê tantas coisas em si mesmo. Mas teima em ver o mais importante. Você deixou de ver o sol nos seus olhos. Onde foi parar todo o brilho? Você mesmo colocou esta sombra diante de si.
A última coisa que você vê no espelho do para-sol é o seu sorriso.
Mas o que você precisava ver não estava no espelho. E você vê os vinhedos, vê as pradarias e grandes montanhas no horizonte. Você vê a estrada de terra batida e a fina poeria sendo banhada pela luz do sol. E enquanto o sol se põe você sente o calor no seu rosto. A sombra se foi, e sob a luz o castanho dos olhos vira verde.

E o mais importante, ao voltar, você vê o vermelho, vê o brilho, vê o enrolado, e os olhos escuros.
Você vê agora as cores da vida.
Você vê a poesia, o brilho.
vê.

Um comentário:

  1. Quando a gente passa de olhar para ver, de fato.
    Lindos os detalhes do teu texto, Lucas.

    ResponderExcluir