Escrita ao som de Ceremony, tocada pelo Radiohead. Com a melhor impersonação de Ian Curtis já vista.
Quantas vezes você não parou e pensou "O que eu estou fazendo aqui?". Foi exatamente esse o problema. Eu não pensei.
Um.
Dois.
Três passos para trás.
Se eu fosse um índio africano a partir de agora eu seria considerado um homem.
Mas como eu sou um branquelo ocidental as pessoas me chamam de babaca por fazer isto.
Quatro.
Expire.
Cinco.
Um passo.
Seis.
Um passo.
Sete.
Feche os punhos. Inspire.
Oito.
Pule.
E não há deus que vá te ajudar. Não adianta rezar. Chorar. Gritar. Agora já foi. Sem piloto automático você está sob seu próprio comando. Mas a gravidade teimosa lhe insiste em puxar para baixo. Você não vai voar. E a água sob seus pés chega cada vez mais perto. A queda é tão rápida que você não tempo para pensar.
Mas você pensa em tudo.
"Que diabos eu estou fazendo?"
Você não é um índio africano. Não é deus. Tampouco um pássaro. Então você simplesmente cai.
Mas cair não é uma palavra que descreve o que você sente de forma suficiente. Cai é uma palavra muito curta, feito o tempo que você levou para cair. Mas se existisse uma palavra para designar o que você sentiu ela seria uma palavra gigantesca. A queda durou muito tempo para você. A queda foi a partir do momento em que você nasceu, até o o momento que enfim morreu. A queda foi a sua vida toda. A coisa mais longa que já fez, e que é essa sua miserável vida. Apenas afundando, sendo puxado para o inominável abismo sem fim.
E nesse segundo você se sente como um índio africano. Pinta seu rosto com as cores de guerra. Veste o traje cerimonial. Apanha os amuletos, é abençoado pelo Xamã e pula. E este é o momento mais importante da sua vida. Agora você é um homem.
Este é o momento mais importante da sua vida. E é exatamente igual a ela todinha.
"Por que eu estou fazendo isso?"
Pinte-se com as cores que lhe dizem para pintar-se. Esconda seu rosto debaixo de camadas e camadas de mentiras. Vista o traje cerimonial e vá de terno e gravata para o trabalho. Apanhe os amuletos, sua carteira, celular, chave do carro. Seja abençoado pelo Xamã, sua mulher vai lhe desejar um bom trabalho. E pule. Este é o momento mais importante da sua vida. Agora você é um homem.
E durante toda a sua vida, o que você faz é pular de inúmeros penhascos. Apenas para ser um homem. Mas você não tem tempo para pensar. A queda é muito rápida.
E quando você chega lá em baixo há água.
Se você fosse um índio africano assim que você caísse os outros homens iriam lhe resgatar. Fariam você cuspir toda a água e recobrar a consciência. Lhe receberiam com festa, afinal agora você é um deles.
"E agora que eu pulei, o que há lá em baixo?"
Você foi abençoado a partir do momento que nasceu. A partir do momento que pulou. E toda a sua vida simplesmente encaminhava-se para este momento. Depois de pular vai haver água? Vai haver alguém para lhe resgatar?
Assim que você cai seus membros amortecem e você não tem força para remar em busca de ar. Você afunda como uma pedra. Vê a luz tremeluzindo na superfície da água. E a mesma água que lhe dá esperança é a água que te sufoca. Você foi feito para morrer dentro dela. E ela, que tão bonita e agradável foi feita para te matar. Cada um com a parte que lhe cabe.
Assim que você nasce você não tem força. E a morte lhe puxa cada vez mais para perto. Nós nascemos já morrendo. E o nosso tempo diminui cada vez mais. A vida que você vive é a mesma que te mata. Você foi feito para morrer. E a vida para acabar.
Então bata os braços com toda a força. Seja o índio africano. Mas não precise das mãos te puxando nas águas da vida para te salvar. Deixe que a vida te mate, mas pelo menos viva. E todo o momento em que a água lhe inundar os pulmões reme cada vez mais em busca de ar. Deixe que a água lave a tinta da sua cara. Deixe que seus amuletos afundem na penumbra da lama do fundo do lago. Perca suas roupas enquanto nada, elas só servem para te atrasar. Livre-se de tudo que você carregou consigo. Tenha algum motivo para viver, para respirar. E quando você sair da água, sair da vida, saia limpo. Apenas para poder dizer: Agora eu sou um homem.
Então eu pulei. E não tive tempo algum para pensar. Apenas gritei. E senti a água da lagoa formada pela cachoeira chegando cada vez mais perto. Até que eu caí. E quando eu saí, encharcado, ofegante, dolorido, eu era um homem. Limpo. Uma outra pessoa. Feito os índios africanos.
"Afinal, o que você está fazendo aqui?"
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