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sábado, 10 de setembro de 2011

Olhos Vermelhos



Texto escrito em Julho de 2011, continuação de "isso não é amor".


       Já passava das oito horas da manhã. O sol batia na janela, passava pelas persianas e criava longas linhas de luz pelo chão. Ela dormia um sono pesado. O dia anterior fora terrível. As lágrimas mal tinham secado, a ferida ainda não havia cicatrizado. O barulho do telefone a acordou. Ela olhou quem chamava e deixou tocar.
      - “Não, esse canalha não está me ligando, só pode ser mentira. Ainda mais essas horas.” - Largou o telefone no chão e quis voltar a dormir. O barulho não deixava.
      Ou seria o desejo de atender o telefone?
      - “O que é que ele quer? Aquilo tudo de ontem já não foi o bastante?” -
      Ela sentou-se na cama. O telefone ainda tocava.
      - “Ele não vai desistir tão cedo.” - Foi em direção à cozinha e preparou um café.
      Enquanto isso o telefone incessantemente tocava.
      - “O que é que ele tem pra me dizer? Ele já pisou em mim ontem e ainda me liga para por o dedo em cima da ferida?” -
      Foi ao banheiro lavar o rosto. Olhou-se no espelho e viu os olhos cansados de quem passara a noite toda chorando. Olhos cansados que quem já tinha esgotado todas as suas forças para manter um relacionamento há tempos decadente.
      São olhos de tristeza?
      - “São meus olhos de orgulho.” - Ela pensou. - “Olhos de quem vai superar a tragédia, inflar o peito com orgulho e dizer de boca cheia que tudo aqui não foi nada.” -
      Ela queria um cigarro, desde ontem não sabia onde eles foram parar. Na volta da casa dele ela procurou nos bolsos da jaqueta e não achou.
      - “Já sei, estão na sacola que com tanto desdém ele me devolveu.” - Procurou a sacola pela casa e encontrou-a em cima do sofá. Abriu-a. Tirou uma casaco de dentro e jogou-o em um canto. - “Eu gostava desse casaco” - Pensou ela.
      Achou os cigarros e o velho isqueiro prateado, batido e judiado de tantas quedas, já estava gasto e surrado. Foi até a cozinha e pegou seu café, acendeu um cigarro e foi para a sacada. Continuou a vasculhar a sacola e lá encontrou algumas fotos suas.
      O telefone ainda tocava.
      - “Essas nossas fotos, em nem me lembrava mais delas.” - E em um ápice de ódio ela pegou o isqueiro prateado e ateou fogo nas fotos uma a uma. A chama se expandia e consumia rapidamente o papel. Transformando imagens em um borrão de bolhas de calor e tinta derretida. As cinzas acumulavam-se no cinzeiro. Um monte acinzentado que balançava com o ritmo do vento.
      Já era o terceiro cigarro?
      Já se fora a última foto. - “Já se foram todas as minhas lembranças.” - Pegou o cinzeiro e virou-o para que as cinzas caíssem para fora da sacada. Olhou o vento carregar as partículas espalha-las pelo céu. - “Deixa que o vento leve essas cinzas, essas fotos queimadas. Deixa que ele espalhe e desintegre todas essas minhas lembranças de você.” -
      O telefone ainda tocava. - “Tá, que se dane, eu vou atender, não tenho nada a perder mesmo” -
      - “Oi.” - Ela disse.
      - “Ahn? Oi?” - Ele surpreso falou ao o telefone. Já estava desistindo. Sabia que ela não iria atender. 
      - “O que é que você quer?” - Disse ela em tom firme. Queria demonstrar austeridade. Queria demonstrar poder e superioridade. Não ia curvar-se diante dele como havia feito ontem. 
      - “Eu queria te pedir desculpas. Eu estava com raiva ontem.” - Ele disse sem hesitar. Seria melhor que ele falasse de uma vez, sem rodeios.
      - “Desculpar é o cacete.” - Ela respondeu rapidamente.
      - “Eu estava fora de mim. Eu havia perdido o controle. Você sabe o que você fez para me deixar assim. Eu não queria ter feito tudo aquilo.” - Ele choramingava desacorçoado, havia se excedido, perdido os limites. Estava acabado. Sentia pena de si mesmo e queria que ela também sentisse.
      - “Eu que te deixei assim? As tuas vadias é que vão te desculpar. Eu sou uma mulher feita e não preciso de um moleque chorão que se arrepende do que faz e depois vem choramingar todo arrependido. Eu sou muito melhor do que isso.” - Ela falou sem pestanejar. Tudo estava saindo bom demais. Agora era a vez dela maltrata-lo. Era ela quem ia pisar e rejeitar dessa vez. - “Eu pouco me importo de como você está. Você pode estar o lixo que você está que eu não vou me importar nem um pouco. Sabe, eu gostei do que eu fiz. Eu fui ao delírio procurando prazer em outros corpos muito melhores do que você. Eu não preciso mais de você. Eu não quero mais caras como você.” - 
      - “Eu só queria que nós fôssemos como antes, antes de tudo isso começar. Eu queria que nós ainda tivéssemos esse nosso antigo amor.” - 
      - “Isso não é amor.” - Disse ela, pausadamente.
      - “É o que então?” - Ele perguntou esperançoso.
      - “É enganação. Eu me enganei querendo amar você. Eu te enganei enquanto amava os outros. Essa coisa sórdida que você chama de amor e só fazia me cansar.” - E lá se ia embora toda a esperança. 
      - “Eu queria voltar a escrever a nossa canção juntos.” - Ele continuava tentando. Continuava batendo na mesma tecla. Incessante e esperançoso.
      - “Teu blues acabou, baby.” - Ela secou as lágrimas dos olhos vermelhos. Jogou pela sacada a ponta do cigarro e desligou o telefone. - “Teu blues acabou.” - 

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