Texto Inspirado na música "Nescafé", do Apanhador Só. Escrito para a Corrente Literária de dezembro.
E acontece lá pelo finalzinho da tarde.
Quando tu acorda eu trago um café. Mas não nescafé, que café solúvel é vagabundo. Tem que ser daquele preto, com bastante açúcar, que forma um xarope no fundo. Aí eu te vejo sorrindo, acordando acabada, arrumando o cabelo daquele seu jeito, e digo "do jeito que você gosta". Você me cobra um pouco de colchão, agarrada na xícara de cerâmica marrom me diz "vem deitar comigo". Delineia as rugas da minha testa, e diz "nossa como essa linha é funda", enquanto eu rabisco as linhas que se formam quando tu sorri em um esboço no papel, "mas desenhar é difícil", eu digo, e salpico as sardas do teu rosto com respingos de aquarela marrom. E tu acorda de madrugada falando de abelhas, eu acordo vendo acidentes de carro, "mas calma, foi só um pesadelo", nós dizemos, "Então deita e sonha comigo", dizemos. "Vem deitar comigo", você repete, "Eu vou pegar uma xícara para mim". Quando eu volto você fala dos livros, e eu digo que só vou devolvê-los o dia que nós juntarmos as estantes. "Vem, levanta", eu digo, "Só se você me vestir", tu diz, e enquanto eu amarro os sapatos tu veste o sutiã. Sabemos que nós nos casamos muito mais fácil que os botões da minha camisa, então vestir-se fica muito mais difícil do que voltar pra cama. É que saudade é foda. Só a Getúlio Vargas vazia lá pelas nove da noite sabe os segredos que eu tenho, que eu conto quando tu sai de ônibus, os ipês coroam a saudade e velam com flores mortas a despedida. É que quando eu volto eu encontro meu colchão cheio de cabelinhos enrolados, cheio da linha que liga teu coração ao meu. Saudade é tipo Café, ainda que você tome preto e cheio de açúcar, ainda que eu tome com leite frio e sem açúcar, cada um sente do seu jeito, nós concordamos que café solúvel é uma bosta. Concordamos que um dos combustíveis para amar é a saudade, cheia das suas peculiaridades, seja bem doce, ou amarga, sabemos que quando a saudade é artificial o amor fica uma bosta. Quando ficarmos muito tempo sem tomar café ficaremos feito viciados um sem o outro, e que se tomemos muito café ficaremos eufóricos juntos.
Que sintamos saudade feito tomamos café.
De verdade.
Eu ia deixar pra comentar só quando fosse postado na corrente, mas não me contive. Também, nescafé é uma das minhas preferidas do apanhador. Lindo, exatamente como é. Gostei demais! :')
ResponderExcluiroh merda, vou chorar ! E não consigo pensar em nada mais inteligente pra comentar porque isso atravancou minha mente com tanta doçura.
ResponderExcluirEu li esse desde a primeira vez que você me enviou e desde então, sempre dou uma passadinha por ele. Porque acho incrível a metáfora construída e por haver tanta verdade nas tuas linhas.
ResponderExcluirParabéns, Lucas, e obrigado por participar!
Lindo. só isso.
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