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quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Nescafé

Texto Inspirado na música "Nescafé", do Apanhador Só. Escrito para a Corrente Literária de dezembro.


E acontece lá pelo finalzinho da tarde.

Quando tu acorda eu trago um café. Mas não nescafé, que café solúvel é vagabundo. Tem que ser daquele preto, com bastante açúcar, que forma um xarope no fundo. Aí eu te vejo sorrindo, acordando acabada, arrumando o cabelo daquele seu jeito, e digo "do jeito que você gosta". Você me cobra um pouco de colchão, agarrada na xícara de cerâmica marrom me diz "vem deitar comigo". Delineia as rugas da minha testa, e diz "nossa como essa linha é funda", enquanto eu rabisco as linhas que se formam quando tu sorri em um esboço no papel, "mas desenhar é difícil", eu digo, e salpico as sardas do teu rosto com respingos de aquarela marrom. E tu acorda de madrugada falando de abelhas, eu acordo vendo acidentes de carro, "mas calma, foi só um pesadelo", nós dizemos, "Então deita e sonha comigo", dizemos. "Vem deitar comigo", você repete, "Eu vou pegar uma xícara para mim". Quando eu volto você fala dos livros, e eu digo que só vou devolvê-los o dia que nós juntarmos as estantes. "Vem, levanta", eu digo, "Só se você me vestir", tu diz, e enquanto eu amarro os sapatos tu veste o sutiã. Sabemos que nós nos casamos muito mais fácil que os botões da minha camisa, então vestir-se fica muito mais difícil do que voltar pra cama. É que saudade é foda. Só a Getúlio Vargas vazia lá pelas nove da noite sabe os segredos que eu tenho, que eu conto quando tu sai de ônibus, os ipês coroam a saudade e velam com flores mortas a despedida. É que quando eu volto eu encontro meu colchão cheio de cabelinhos enrolados, cheio da linha que liga teu coração ao meu.  Saudade é tipo Café, ainda que você tome preto e cheio de açúcar, ainda que eu tome com leite frio e sem açúcar, cada um sente do seu jeito,  nós concordamos que café solúvel é uma bosta. Concordamos que um dos combustíveis para amar é a saudade, cheia das suas peculiaridades, seja bem doce, ou amarga, sabemos que quando a saudade é artificial o amor fica uma bosta. Quando ficarmos muito tempo sem tomar café ficaremos feito viciados um sem o outro, e que se tomemos muito café ficaremos eufóricos juntos.

Que sintamos saudade feito tomamos café.

De verdade. 

4 comentários:

  1. Eu ia deixar pra comentar só quando fosse postado na corrente, mas não me contive. Também, nescafé é uma das minhas preferidas do apanhador. Lindo, exatamente como é. Gostei demais! :')

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  2. oh merda, vou chorar ! E não consigo pensar em nada mais inteligente pra comentar porque isso atravancou minha mente com tanta doçura.

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  3. Eu li esse desde a primeira vez que você me enviou e desde então, sempre dou uma passadinha por ele. Porque acho incrível a metáfora construída e por haver tanta verdade nas tuas linhas.

    Parabéns, Lucas, e obrigado por participar!

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